sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O Auto da maquiagem

Quinze dias de ensaio e agora um desgosto, uma experiência terrível para um artista, a frustração queima nossos egos, é um momento de se distanciar de si mesmo e do seu trabalho e se debruçar em questões mais primárias do que o fato em si.


Receber a notícia do fim do Auto de Natal 2011 foi um evento lastimável, que mostra um desrespeito à atividade artística e uma falta de ética e gestão por parte de seus realizadores, que nem sequer tiveram a humildade de dar a notícia. O presidente da FUNCARTE não mostrou respeito, quando não foi, ele mesmo, ao abandonado Sandoval Wanderley dar a noticia do fim do Auto e pedir, no mínimo, desculpas. As tentativas de justificar o injustificável são como folhas secas, que não resistem a menor brisa.

Durante todos esses anos o Auto recebeu inúmeras críticas feitas pelos próprios artistas, mas, muito pouco se avançou, a ideia de um espetáculo democrático com rotatividade de elenco, dramaturgia e direção nunca amadureceu. O Auto é refém do tempo, feito a “toque de caixa” e muitas vezes estreando sem que o palco e a iluminação estivessem cem por cento prontos, ainda assim, o Rio Grande do Norte e a cidade de Natal assumiram os Autos como a ponta do “fazer cultura”. Os autos se transformaram numa maquiagem para a cultura o que impede o seu crescimento artístico pedagógico. Os Autos escondem o que nós artistas passamos durante 12 meses por ano, escondem a dificuldade de se fazer arte, o desinteresse dos gestores, a falta de políticas públicas, e a falta de iniciativa da câmara de vereadores para criar e aprovar projetos em prol da cultura. Talvez a não realização, tanto do Auto do município, como o do Estado, revele à população o quanto estamos abandonados, artistas e espectadores. Durante séculos e séculos a arte foi refém do coronelismo onde se oferece apenas “pão e circo”. A população se acostumou a compreender arte apenas pela veia do entretenimento fútil que enfatiza o consumismo, o sexo e o uso de drogas, ou, como uma forma medieval de proclamar a palavra de Deus e as histórias bíblicas. A maneira de se compreender cultura dos gestores públicos é presa à necessidade de alienar o povo, e seus joginhos de poder oprimem a população que não tem acesso à arte e não sente a necessidade de ter acesso, pois sua condição de cidadão é se contentar com muito pouco ou quase nada. Assim como o “tapa-buraco” esconde a necessidade de um novo asfalto, a pintura do posto de saúde esconde a falta médicos, a farda dos alunos esconde os números vergonhosos da educação no Brasil, a prática de fazer shows e eventos pomposos esconde a falta de políticas culturais de fomento ao artista e seus fins, sendo essa a única maneira de fazer cultura, oferecer ao artista suporte para que ele leve arte as comunidades, escolas, e todas as esferas sociais. Nós não recebemos incentivos para manter sedes, montar espetáculos, investir em formação, oferecer oficinas, criar centros artísticos e circular em outros lugares. Fato é que durante muitos anos se mantiveram as maquiagens, eventos magníficos que chamam a atenção da impressa, que dentro da cidade mostra não compreender nossa língua se detendo sempre ao sensacionalismo dos fatos e pouco ao fomento a cultura como um todo, para “Autos” e “Baixos”. Hoje vemos que o estado e o município não coseguem nem mesmo manter a maquiagem, seu rímel esta seco, seu batom não tem cor e seu pó é uma poeira velha. “Quem não tem cão caça com gato”, “dente por dente, olho por olho”. É assim que vivemos.

Em nossa cultura não podemos ser pessimistas, o homem já chegou à lua, as ideias já evoluíram muito, revelo minhas esperanças em ver um dia gestores que sabem o que estão fazendo, não podemos votar em pessoas sem crédito para lidar com os problemas sociais. A atividade política requer estudo, dedicação, experiência e, seu candidato deve ter, ao seu lado, bons profissionais, bons técnicos, para se tornarem secretários e funcionários éticos e competentes. Se seu candidato não preenche esses requisitos não vote. De certa forma Micarla de Souza é um espelho de nossos eleitores e a FUNCARTE é um espelho de nossos artistas. O município precisa fazer um mapeamento artístico, descobrir as nossas necessidades para daí criar junto aos vereadores uma lei de fomento que fortaleça nosso fazer, se precisamos de dez milhões é em cima disso que se deve correr atrás. Se a cultura está ligada à saúde, educação e turismo então, outras secretarias devem também investir e, assim correr para um horizonte em que a população vai descobrir finalmente o prazer de ver e fazer arte, arte pela arte, pelo homem, não pelo sexo, a bebedeira ou a religião. Uma vez que a cultura estiver junto a saúde, educação e o desenvolvimento social, se tornará um direito do cidadão e uma obrigação do município.



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