sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Os Autos e baixos, por Enio

...existe uma panela de pressão e um feijão que parece não ficar pronto nunca!




Esse ano estou participando como interprete do “Auto do natal” da prefeitura de Natal, evento que gera tantas discussões. Tenho tido momentos muito felizes nesse novo trabalho, assim como tive momentos felizes em outras oportunidades que tive de participar do "Auto do natal", do "Um Presente de natal ou "A Festa do Menino Deus". Nessa nova edição estou sendo dirigido por Diana Fontes, artista apaixonada que faz do processo artístico um processo pessoal, do corpo, do indivíduo para um coletivo e vice versa. Direção que faz do objeto racional um resultado de uma embriagues visceral. Com uma equipe que não só tem um nome, mas, uma pesquisa que ultrapassa as linhas do resultado e se sustenta no processo. Como foi revelador conhecer o trabalho de bioenergética de Manuca que dialoga tanto com o meu ser e me faz ir aos ensaios com vontade de conhecer mais e mais, e a oportunidade de trabalhar com Makarios, experiência que sempre quis ter, de tanto ouvir falar em seu nome.



Sim, nos Autos tive momentos artísticos riquíssimos e é muito importante que o artista valorize o seu trabalho e não permita que seus ideais políticos destruam o que há de mais valioso no seu fazer. Dentre tantos diamantes no meio das cinzas podres da política do RN eu destaco o Auto de 2001(direção de Gringo Cardia), um laço firmado com Marcos Bulhões um grande encenador, que me abriu caminhos e abismos de onde jamais vou sair. Em 2006 com direção de Diana Fontes e Henrique Fontes conheci o trabalho dos bailarinos da cidade e um pouco do seu dia a dia, me apaixonei pela dança ali, tive excelentes momentos de troca com o Gira Dança, grupo que esta além das pessoas especiais, enxerguei no Gira Dança o Teatro do Oprimido de Augusto Boal e enxerguei em mim a deficiência. Em 2007, João Junior que sempre cruzou minha historia de ator me deu, com sua fome insaciável, o prazer de conhecer o trabalho das quadrilhas juninas das periferias da cidade, laço que só se fortaleceu e em 2009 quando nós, do Grupo Facetas, levamos uma pequena temporada do “O Bizarro Sonho de Steven” para o Bom Pastor, lá pra galera de Cassiano. Abraço, Cassiano! Em 2008 e 2009 João Marcelino me fez enxergar coisas que nem sabia que existia. Meu amigo e mestre, que admiro com todas as letras, João. E lá conheci, troquei e me identifiquei com artistas do interior, de Currais Novos, de Mossoró de Caicó e também com os artistas do Circo Grock. Nos Autos Conheci artistas que fazem nossa cena há muitos anos, “Estandarte”, “Alegria, Alegria”, “Artes e Traquinagens”, “Trota Mundos”, “Monicreques”, “Pau e Lata”, “Folia de Rua” todo mundo pirado! Para mim o Auto bem mais que um dos poucos trabalhos bem remunerados da cidade, foi uma “Porta Aberta”.



Acho que acompanhei um pouquinho da história do Auto. Em 2001 o “coro” ou figurantes, não ganhava cachê. Eu fiz um líder de coro e ganhei R$ 100,00, nesse ano ainda era absurdo chamar um diretor da cidade, tinha que convidar alguém de fora para dirigir o Auto. Lembro que na época saiu uma matéria no jornal onde exibia o orçamento do espetáculo e denunciava um abuso em que muitos profissionais ganhavam valores exorbitantes enquanto a maioria ganhava vale e lanche. Houve alguns protestos isolados. Já em 2002, o Auto pagou um cachê para todos da figuração e coro e chamou Marcos Bulhões para, merecidamente, fazer a direção. Em 2009, no elenco da “Festa do Menino Deus”, recebemos a notícia, já com um mês de trabalho, que o espetáculo não iria mais acontecer por falta de verba do “Governo de todos” da senhora Wilma de Faria. A medida da governadora nos levou a um protesto em frente a governadoria e o espetáculo acabou acontecendo. Em 2009 no Auto do Natal (8 anos depois de 2001 e com cachês bem mais dignos) os artistas foram também surpreendidos pelo “leão”, um imposto que comeria 30% do seu cachê, isso levou a uma falta de confiança para com a produção, e os artistas exigiram um contrato, e depois, um protesto no dia do espetáculo para que o contrato fosse cumprido. Os artistas de 2009 fizeram algo muito importante, assim como os de 2001. Nesse ano de 2010 temos um contrato e o mais importante em um trabalho coletivo, uma relação de confiança com o elenco, com a direção e com a produção.

É importante que nós identifiquemos os pontos positivos de cada processo cultural. Nada muda do dia para a noite. O Facetas, desde o movimento Redemoinho, é um grupo engajado nas questões políticas na tal “política cultural”, “política dos Autos” e etc. Será que podemos citar os Autos como parte de uma política cultural? Ou é mais um emaranhado de discursos de gestores laranjas e sem competência. Será que temos uma política cultural?

Não! E quanto mais valorizarmos nossas pequenas conquistas, que naquele momento parecem bem menores que as feridas abertas, estaremos mais próximos de estabelecer uma política cultural.



Ao ler a matéria da Revista 14 com Rodrigues Neto http://revistacatorze.com.br/?p=3076html  eu fico barbarizado e triste e se não fosse o total Amor ao meu trabalho e as pessoas que fazem parte do meu diário eu pediria pra cagar e saía do espetáculo. Mas, não! Eu acredito nas nossas conquistas! O Auto do Natal não pertence a nenhum gestor e sim aos artistas e a população.

Minha cabeça se enche de críticas à suas venenosas, ingênuas, ridículas e podres palavras. Mas, será que vale a pena escrever e depois você ler¿ Não!

O Auto não é deles, é nosso! E nos temos que nos colocar diante dessa barbárie. Eles apenas passam, nós é que ficamos, e do jeito que a gestão da prefeita vem acontecendo, Micarla de Souza e Rodrigues Neto vão passar mesmo! O fato do Auto ter 509 escritos não tem nada haver com o ano passado ou com a gestão de R. N., essa é uma conquista nossa!



E somos nós que devemos pensar o que queremos para nossa cidade, o que queremos com o Auto do Natal? Devemos observar seus pontos positivos e fortalecê-los.

É muito importante compreender que por lei o Estado é Laico e que o dinheiro público não deve ser gasto em construção de santas gigantes de pedra, nem em espetáculos cristãos. Mas, esse ponto deve ser compreendido e colocado em relação com nossa cultura. E nada mais inteligente que promover o auto ou o desfile com dinheiro capitado através de leis, com empresas que compactuam com o ideal cristão.

Um outro ponto é o fomento à formação artística e à troca estética entre artistas e grupos. O Auto Não é um resultado como pensa o “desgestor” R. N., o Auto é um processo. Devemos investir nesse processo e começar os trabalhos antes da criação do espetáculo, com oficinas em todos os segmentos que compõem o espetáculo. Oficinas básicas para quem está começando e oficinas avançadas para os profissionais, ciclo de palestras e discussões a cerca do universo artístico. O Auto deve manter a idéia de um edital para dramaturgia. É triste a fala de R. N quanto sua perspectiva em relação à encenação e a forma de se contar uma história, seja ela qual for. Ele mostra um retrocesso, desrespeito ao que já se fez e aos encenadores da cidade. Mas, isso vale para toda a burguesia Natalense. Há uma idéia de que o povo é ignorante e que não estão pronto para “mudanças”, as mudanças existem inevitavelmente e a massa deve participar, aliás, não existe nada mais inteligente, subversivo e humano do que reação das pessoas com a arte contemporânea. O Auto deve privilegiar artistas e grupos que mostram uma produção durante o ano, deve privilegiar as comunidades e os grupos folclóricos, se isso já acontece não é por causa de uma gestão mas de uma historia que, eu repito, é nossa! O Natal em Natal deve conter uma mostra da produção artística local, assim como se prevê com o projeto que vem sendo organizado por alguns artistas da cidade com a proposta do “Baixo do Natal”, um evento artístico poderoso que se soma aos eventos de fim de ano.

Se começarmos a organizar o que temos, talvez criemos uma política cultural de qualidade. Cabe a nós artistas nos livrar do estigma de que protestamos apenas por cachê, cabe a imprensa se informar melhor e virar um parceiro nesse processo.

Agente não quer só comida!

Uma política cultural oferece aos artistas e a população o fomento a arte em todos os sentidos, o objetivo disso não é um evento, um show ou um resultado em números. Pelo contrário, uma política forte trabalha o indivíduo, constrói “O Quem”(Edgar Morin). Precisamos de pesquisa, de manutenção, de montagem, de circulação e formação. Legalização de direitos trabalhistas, participações em gestões horizontalizadas e é claro, uma verba de vergonha que ultrapasse o triplo do que se tem hoje. Para daí oferecer arte a população, arte o tempo todo, na rua, na escola, em casa, arte para conhecer, arte para refletir, arte para transformar o seu meio e se transformar junto com o mundo! Conheci uma pessoa no Auto que gostei muito, ele é autor do texto e produtor, suas palavras são fortes e o seu discurso parece nos proteger de alguma forma. É o Edson Soares que disse “vamos ensaiar no Sandoval Wanderley por que o teatro é a casa do artista”. Talvez discorde um pouco, mesmo compreendendo o que ele quis dizer, por que minha historia como artista não se fez dentro de um “teatro” no que diz respeito a um lugar com tijolos cadeiras e palco, concordo que o teatro é a casa do artista, mas o teatro, essa casa, pode ser apenas um artista e um espectador. Então que nossa política seja essa casa! Mesmo que seja em qualquer lugar e em céu aberto. Devemos garantir isso através de uma “Lei de Fomento a Cultura de Natal”, devemos mobilizar a câmara dos vereadores para isso e assim proteger nossos bens culturais das Facetas partidárias e Mutretas de cargos comprados em campanhas podres.

É muito inteligente para R. N. começar o ano com superávit é como se você chegasse para sua família e dissesse “esse mês vamos comer pão com ovo todos os dias, o dia todo e vamos ficar sem TV, som e ventilador, mas, no próximo mês vamos comer com superávit” muito inteligente senhor R. N.!

Falo isso da forma mais construtiva possível “somos gestores medíocres, políticos medíocres e artistas medíocres, fomentando a mediocridade da população!” Só com trabalho, reflexão e autocrítica podemos dar o grande passo que a cultura precisa.